Uma tarde de férias como outra qualquer. Marcada pelo tédio e por ficar o dia todo brincando de fazendinha no facebook, postando bobagens no twitter, e mexendo em orkuts alheios, lógico.
Enfim, me veio uma idéia. Algo que poderia colocar emoção de verdade nos meus minutos eternos de ócio. Bate-papo. O quase impossível começava a acontecer. Um cara legal ligou a conversa privada. Fomos no embalo de encontros virtuais, o assunto fluiu. Falávamos sobre ele, sobre mim, e sobre como coincidentemente morávamos na mesma cidade. Ele me adicionou no MSN. A falação continuava, ele era um fofo.
Minhas férias foram ocupadas. Completamente. Acordava cedo, quase não almoçava. Sair então, nem pensar. O Kauê tomou conta dos meus dias. Dos meus pensamentos. Da minha vida.
Depois de quase um mês, ele propôs um encontro. Parque do Ibirapuera foi o local escolhido para eu conhecer o meu novo amor.
19 de janeiro. O dia chegou. Me emperequetei tanto, que meu pai ficou preocupado. Para disfarçar, marquei um cinema de fachada com a Lu, e ela ia me dar total cobertura. Ninguém ia ficar sabendo.
Iria para o local sozinha, de ônibus. Tremendo e sorrindo para mim mesma no canto do veículo, ia olhando para a janela pensando em como eu tinha sorte. Perdida em meus pensamentos, quase me esqueci de descer no parque.
O tremor aumentou. Um frio na barriga tão forte, que parecia que eu ia vomitar. Olhei em volta. E então, eu vi a camisa amarela que ele disse que estaria usando, e me desloquei até ele. Kauê parecia mais velho do que na foto, e sua aparência não era condizente com sua idade. Mas aquilo não me importava. Ele me cumprimentou, e me levou para tomar sorvete. Enquanto caminhávamos até o carrinho dos gelados, comecei a ter um mau pressentimento. Alguma coisa gritava dentro de mim que eu deveria ter ficado em casa dormindo, curtindo o meu “a toísmo”. Meu amor por ele tinha que falar mais alto que a voz da razão (ou não) na minha cabeça. Fomos em frente.
Nos lambuzamos com o sorvete, e rolou nosso primeiro beijo. Os fogos de artifício que eu esperava não vieram. Mesmo assim, o momento foi mágico. Queria congelar aquele segundo, e olhar para ele sempre que me sentisse sozinha. Alguns minutos depois perceberia que parar aquele momento seria a melhor coisa a se fazer.
Parece que depois daquele beijo, ele se animou. As mascadas de longa data (de ambas as partes, devo admitir) deram retorno. Naquele momento pensei que ele me amava. Poderíamos ser felizes para sempre.
Ou não.
Kaká me chamou para a casa dele, que era ali perto. Ele disse que tinha umas bebidas. Não só por isso, topei. Pegamos um táxi, e quando cheguei, notei que ele morava num prédio enorme, chiquérrimo. O apartamento era organizado e de muito bom gosto. Nem parecia que ele morava sozinho.
O desespero só foi bater depois da vodca. Ele me puxou e me jogou na cama. Eu esperava que isso acontecesse, e já tinha o meu discurso pronto. Foi tudo por água abaixo quando ele pegou uma corda, e amarrou minhas mãos na cama. Kaká tirou minha blusa com violência, mas dei um chute naquele lugar quando ele veio deitar em cima de mim. Ele caiu. Desamarrei minhas mãos depressa de um jeito que não conseguiria em uma situação qualquer e eu corri em disparada procurando algo com que eu pudesse me defender.
Chorando, tremendo, desesperada, e com o cara que eu acha ser meu amor caído no chão urrando de dor, um turbilhão de pensamentos passava pela minha cabeça. Kaká é um pedófilo. Fui usada. Ele nunca me amou. Que boba eu fui. Não tem ninguém para me salvar, e eu estou sozinha na casa de um estranho.
O mar de desespero foi interrompido quando achei na última gaveta um revolver. Agarrei-o com força, mas não tinha a menor idéia de como manuseá-lo. O que pôs tudo a perder em minha vida foram aqueles cinco minutos. Kauê se levantou. Veio cambaleando em minha direção, e sussurrou no meu ouvido: “Fica calma, linda. Eu só quero me divertir...” Sem pensar duas vezes, bati o revolver na cabeça dele. Novamente, ele caiu. Dessa vez, sangrando. Peguei o meu celular e liguei para a polícia. Isso o enfureceu ainda mais. Porém, a arma continuava na minha mão empapada de suor.
Senti um braço em volta do meu pescoço, fazendo uma “gravata”. Meu cabelo estava sendo molhado do sangue que saía de sua cabeça. Ele tentou me apalpar, tirar minha calça, mas eu desviei. Fiquei cara a cara com meu possível assassino, ou minha possível vítima. Mirei o revólver no meio de sua testa. Puxei o gatilho.
De repente, calma.
Fui tomada por um alívio. Depois, culpa. E depois, talvez por causa da vodca, ou da adrenalina, tudo sumiu.
Quando acordei, já estava em casa, de banho tomado. Minha mãe estava do meu lado, e me acalmou enquanto eu chorava compulsivamente, sem nem saber que o estava fazendo.
Na semana seguinte, fui à delegacia relatar o ocorrido, e não recebi punição. Ricardo Pires, seu nome verdadeiro, já era procurado pela polícia por diversos crimes, dentre eles estupro e abuso sexual de menores.
Indo pra casa sozinha, tomada pelo pânico, olhava para todas as direções, detectando possíveis perigos. Lembrei então da semana passada, dentro do ônibus, indo encontrá-lo. Meus pensamentos frenéticos, o tremor...
Talvez eu não tenha tanta sorte assim.
Laura França Nogueira, 13/06/2010
Dá arrepios ler isto! Que você tenha toda sorte do mundo!
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